A Forja dos Mundos

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–  O MUNDO ANTES DO MUNDO –  

 

O mundo estava morrendo. Nada nem ninguém poderia impedir. Não quando um deus havia decidido que aquele era o fim.

Torun, o anão guerreiro, não conseguia se mexer. Suas feridas, criadas ao defender seus companheiros e que antes sangravam profusamente, haviam estancado magicamente, mas não por magia aliada. Illariel, a elfa maga, estava mais atrás, protegida pelo anão enquanto batalhava, mas já havia exaurido quase todo o seu poder. Suas feridas também não sangravam. Estavam exaustos, derrotados.

Os dois, assim como tantos outros aventureiros ao redor deles, eram mantidos vivos pela magia inimiga, aos pés do deus. Esperando para morrer.

O deus não tinha pressa. Um a um ele tomava um aventureiro, dando preferência aos mais velhos, aos que viveriam mais: as raças mais antigas. 

Ele fazia encantamentos incompreensíveis para não-divindades, mas todos podiam ver o resultado: dos olhos do drow que ele segurava pelo pescoço saíam luzes, formando imagens em um retângulo, como uma projeção. Logo ficou claro que víamos as memórias do drow e, quanto mais elas passavam, mais ele ficava cinza. O deus estava roubando suas memórias enquanto o matava.

Não estava claro o que o deus procurava: não focava em pessoas, batalhas ou outros eventos que alguém acharia interessante: olhava para o céu, para a natureza, buscava brilhos estranhos… Presságios.

Próximo a ele havia um portal para todos os lugares e lugar nenhum. Mudava rapidamente, mostrando diferentes mundos, dimensões, até o espaço. Mostrava outros presságios, pedaços perdidos de um quebra-cabeça esquecido.

O deus procurava algo e o Universo estava mudo em temor do que ele pudesse encontrar.

Milhares jaziam no chão, já furtados de memória e vida. Todos unidos contra um único inimigo que nem lacaios havia trazido. Não foi necessário. 

Nunca tiveram chance de vencer.

–  PERDIÇÃO – 

 

Quando o deus pisou no mundo de Elythrea, a notícia rapidamente se espalhou. Não foram sinais sutis, como plantações murchando ou animais morrendo: onde o deus colocava os pés, a destruição seguia.

O solo queimava e morria, enegrecia e jorrava lava. O ar tornou-se rarefeito, secando a garganta e pulmões de quem se aproximava. O céu refletia o inferno na terra e tornou-se laranja, amarelo e vermelho. Alguns diziam que o próprio céu queimava.

Às pressas, aventureiros lendários do mundo todo foram convocados: os mais épicos, os mais valorosos e mais poderosos. 

Foram derrotados rapidamente.

Batedores enviados conseguiram retornar. Alguns, enlouquecidos, cantavam músicas tétricas, marchas fúnebres do fim. Outros, apavorados, mas ainda sãos, descreveram o que viram e clérigos identificaram o inimigo: o avatar do deus do Fogo, Yzegahr, o Destruidor de Mundos.

Um alerta percorreu o mundo magicamente e reinos se uniram: não por um inimigo em comum, mas pela sobrevivência e ganância. Quem poderia fazer algo contra um reino que matasse um deus?

Mas o temor vivia no coração dos mortais, e com razão. Todos conheciam as lendas. Tantos mundos devastados. Tantas realidades destruídas. Bilhões de vidas terminadas em instantes.

Ainda assim, os que podiam lutar foram ao encontro de Yzegahr, pois não tinham opção. Precisam lutar por Elythrea.

Logo ficou claro que o deus não se importava, muito pelo contrário, queria que o encontrassem. Aqueles que caminhavam em sua direção, mesmo temerosos, mesmo querendo fugir, não conseguiam. Eram atraídos como que por sereias. 

Yzegahr os chamava para a morte.

Torun e Illariel foram alguns dos muitos aventureiros a se prontificar a ir. Não eram os mais poderosos, mas não eram iniciantes. Eram acompanhados de Vesperr, um elfo guardião, Daratrine, uma humana paladina de Niénten, a deusa da guerra, Zenin, um kobol feiticeiro e Romlor, um goblin inventor.

Assim como tantos, iam tentar evitar a calamidade. 

Assim como todos, não estavam preparados para o que viria.

O cenário de destruição e fogo se alastrava por quilômetros e quanto mais perto do epicentro, maiores as pilhas de corpos. Secos, murchos, acinzentados, parecia que a vida fora sugada deles. Tentavam não desonrá-los, puxando os corpos para o lado para não pisar em cima deles, mas ao tocá-los, se desfaziam em pó. Não restava mais nada.

No centro, estava Yzegahr, o Destruidor de Mundos. Era difícil conseguir olhar para ele e ainda mais distinguir o que ele era. Olhar uma criatura divina não é algo para mortais, e as mentes tentavam entender a grandiosidade do que viam criando imagens inteligíveis, mas não necessariamente verdadeiras. 

Para os mortais, Yzegahr era uma criatura humanoide gigantesca, de cinco metros, parecendo uma rocha viva, mas maleável. Seu corpo forte era como uma armadura feita de rocha, brilhante e polido, e por baixo era possível ver algo como veias com um brilho intenso alaranjado. Como se o fogo corresse por seu corpo.

Seu rosto parecia ter uma máscara por cima, com cinco pontas elevadas ao céu. Seus olhos eram da mesma cor que o corpo, iluminando-se de laranja quente quando sugava a memória de suas vítimas.

Não houve luta. Aquilo era um massacre. Lento e doloroso, mas um massacre.

Aventureiros e exércitos atacavam de todos os lados, mas nada fazia efeito: era como se formigas atacassem um gigante. A resposta era desproporcional: com um breve aceno de mão o vento quente cortava e feria. Membros eram decepados. Lava, fogo, rochas do chão: tudo atacava os habitantes de Elythrea. 

Yzegahr não havia trazido lacaios. Não era preciso.

Magias não surtiam efeito. Espadas, machados e flechas não arranhavam. Se algo estivesse próximo de causar algum dano em Yzegahr, ele deformava o mundo a seu bel prazer para protegê-lo. Usuários de magia se juntaram para criar um ataque poderoso, mas tiveram o ar retirado dos pulmões. Não podiam falar ou fazer símbolos mágicos. 

Um a um, todos foram caindo. Mas ninguém morria sem a permissão do deus. Os com mais dano estavam em um estado suspenso entre vida e morte. A maioria não tinha mais forças.

Yzegahr parecia ter vítimas prediletas, antes mesmo das raças antigas: paladinos e clérigos eram os primeiros a morrer. Alguns nem tinham suas memórias sugadas. Seria medo que outros deuses aparecessem? 

De longe ainda se ouviam alguns clérigos semi-vivos rezando, e tantas outras classes implorando aos céus, mas era inútil.

Os outros deuses abandonaram Elythrea. O mundo estava morrendo.

Datatrine, a paladina, foi a primeira a morrer do grupo de Torun e Illariel. Zenin foi o próximo. Romlor estava perdido em meio aos cadáveres. 

Yzegahr agora segurava Vesperr e onde tocava o pescoço, o local ardia e soltava fumaça. As memórias do elfo se abriram para o mundo que assistia em horror. O portal atrás do deus mudava rapidamente.

Para todos, o que se via eram coisas mundanas e que ninguém prestaria muita atenção: uma estrela mais brilhante, a passagem de um cometa, uma maré alta fora de época.

“Mortais nunca saberiam onde está e nunca entenderiam o que veem. Só olham para suas vidas medíocres e buscam uma grandeza inexistente. Patéticos. Imperfeitos. Eu encontrarei a Forja e colocarei um fim na existência”. A voz de Yzegahr era forte, rouca e gutural, como se uma caverna falasse.

Illariel olhava com tristeza, incapaz de fazer algo para que o amigo não morresse. Olhou para Torun e viu raiva, mas não sabia se o anão odiava mais o deus ou a si próprio por não conseguir ir contra a divindade. Seus olhares se encontraram, em espírito de companheirismo e amargura.

“Você…tem o que falta” Yzegahr disse, satisfeito e surpreso. Illariel olhou horrorizada enquanto a memória mostrava uma estrela brilhando rapidamente em um tom púrpura e logo sumindo. O portal próximo ao deus começou a fixar-se em um lugar.

Yzegahr olhou com cobiça para o portal. “A Forja. Finalmente”. Ele olhou de volta para Vesperr. “Morra logo, criatura. Assim que suas memórias se tornarem completamente minhas, o portal estará estabelecido. Poderei acabar com esse universo medíocre”.

Vesperr parecia estar morrendo mais rápido. Seu corpo começou a rapidamente ficar mais cinza, mais murcho.

Illariel não pensou. Torun não pensou. A adrenalina do medo percorria seus corpos e eles se olharam e sabiam o que precisavam fazer. Um último ato desesperado.

Torun reuniu toda energia que podia e se levantou, cambaleando. Illariel se arrastou até ele e sussurrou o plano incerto. 

Eles correram.

Caindo, arrastados e incertos, mas correram para o portal.

Viraram-se no último segundo. Torun mirou e jogou sua espada, Illariel jogou um último feitiço. 

Não miravam em Yzegahr.

A espada de Torun, guiada pela magia de Illariel, decepou a cabeça de Vesperr.

Anão e elfa se jogaram no portal enquanto ele se desfazia, deixando o urro de um deus furioso e um mundo em chamas para trás.

 

–  A FORJA DOS MUNDOS – 

 

Torun e Illariel caíram no chão de um lugar estranho a eles. Os dois foram tentar se levantar e conseguiram olhar ao redor: não havia paredes. Havia estrelas.

O portal os levou ao espaço.

De alguma forma, conseguiam respirar. A plataforma era em formato circular, com colunas e teto. Ao redor era possível ver um trono, magias luminosas e outras coisas que eles não conseguiam identificar.

No centro, três pedras roxas flutuavam em volta de arcos dourados, imbuídas de poder.

“Visitantes?”

Torun e Illariel se colocaram em prontidão como podiam, mas não tinham nem armas, nem magia. Estavam à mercê do ser que os olhava, aterrorizados.

Logo viram que se tratava de outro deus.

Suas mentes entendiam que a entidade era também humanoide, mas menor que Yzegahr, ou assim se apresentava. Parecia ter somente 2 metros, com um corpo sinuoso azul esverdeado e que parecia líquido, como se fosse feito de água: era possível ver algo como o líquido indo e voltando do que seriam mãos e pés. 

A cabeça também tinha algo como uma coroa, como a de Yzegahr, mas era uma coroa ondulada, em cima do que poderiam ser longos cabelos ondulados e azuis. A voz, cristalina, passava calma.

Estavam diante de Mihnyr, o avatar do deus da água.

“Yzegahr invadiu nosso mundo! Ele tinha um portal para cá, mas conseguimos fechá-lo” disse Illariel, apreensiva e esperançosa. Não havia tempo a perder e ali podiam ter ajuda.

“Os nomes que vocês criam para nós são somente seus. Mas sei de quem fala. Se ele encontrou a peça final em seu mundo, logo encontrará outra criatura que a tenha. Logo estará aqui.” disse Mihnyr, alarmado e pensativo.

“Onde estamos?” Torun perguntou. Mihnyr se dividiu em dois: um continuou falando com os aventureiros e o outro estava andando pelo lugar, começando algum tipo de ritual.

“Aqui é a Forja dos Mundos. Nós criamos tudo aqui. Destruímos tudo aqui, inúmeras vezes. A amálgama de nossos poderes. Vocês foram pensados aqui, como todos os universos e criaturas.”

“Universos?”, questionou Torun. “Estamos em meio às estrelas? E se aqui dá para destruir tudo, é o que ele falou que faria.”

“Sim, estamos em meio às estrelas, no universo em que vivem, mas há outros. Escondemos a Forja porque os meus irmãos não acham que nada é suficientemente perfeito. Querem destruir tudo, sem nunca dar uma chance. Têm uma ideia errada de perfeição.”

“Ele quer destruir tudo porque não acha… perfeito? Essa é a única razão?”

“Se você pudesse mudar o que considera ser seu fracasso, não o faria?”

“É isso que somos para os deuses, fracassos?” Torun estava revoltado.

“Para Fogo, sim… Criaturas que, não importa o universo, estão sempre destruindo mais do que construindo, inclusive o próprio mundo em que vivem. Não compreendo se ele vê demais dele em vocês ou se não identificou de onde tiraram esse impulso de destruição”.

“Então precisamos sumir com esse lugar antes que ele nos encontre.” disse Illariel.

“Já estou trabalhando nisso, pequena” e apontou para o outro Mihnyr. Era assustador e intimidador observá-lo: ele pegou o brilho de uma estrela distante entre as mãos, amassou e utilizou seu pó em uma bacia feita de sonhos e fogo. Illariel observava, maravilhada, e não sabia COMO entendia que a bacia era feita de sonhos – só sabia. Queria compreender mais, aprender, mas o tempo urgia.

Mihnyr continuou a falar. “Mas não é tão simples mudar a rota da Forja. Por milênios usamos a magia do caos para que não exista um caminho certo e compreensível, mas nossa lógica não é a mesma de vocês. Fogo teve tempo de se aprimorar e nos conhece bem. Viu resquícios da Forja… conseguiu nos encontrar.”

“Em breve vai encontrar outro entre os de seu mundo e terminar o portal novamente. Destruirá mais um mundo e virá até nós”.

Torun e Illariel ficaram quietos, em choque. Uma sensação de vazio indescritível tomou os dois: já não tinham um mundo para voltar. Em breve, poderiam nem existir. A falta de esperança era desoladora.

“Por que vocês nos abandonaram? Por que você e os outros deuses não foram contra Fogo em Elythrea ou qualquer outro mundo? Quantas vidas não foram perdidas? Seus clérigos e paladinos estavam implorando! Morreram chamando por ajuda!”, Torun disse, furioso.

Mihnyr o olhou com pesar. “Amamos o que criamos e vê-los crescer e explorar é fascinante. Não espero que compreenda. Mas milhões de vidas para salvar trilhões… Se o encontrássemos, poderíamos perder a Forja. Iríamos recomeçar esse ciclo eternamente de criação e destruição. Até nós, que vocês chamam de deuses, estamos cansados. Posso desfrutar menos da criação enquanto fico aqui, na Forja, vivendo em fuga. Meus outros avatares me permitem viver de verdade. Nós já travamos diversas batalhas com outros avatares de Fogo e Vento. O que ronda a mente de vocês é se podemos derrotá-los. Não. Eu e Terra já consideramos isso, mas traria desequilíbrio a tudo que criamos. Os universos poderiam morrer. Nem nós sabemos, para falar a verdade. Já cogitamos criar outros, somente nós. Mas.. o impulso de destruição faz parte da vida”.

Havia muito mais que Mihnyr não contava. Diversas possibilidades.

“Tenho tantas perguntas…” começou Illariel.

“Teremos tempo, depois.” A Forja começou a tremer. Mihnyr ao redor.

“Acho que vamos conseg..”

Antes que pudesse terminar de falar, um portal surgiu. Um corpo se liquefazendo, segurado por Yzegahr atravessou o portal e foi jogado no chão, com o avatar do deus do Fogo atravessando em seguida. 

Seus olhos e sorriso reluziam em laranja destrutivo.

Yzegahr não esperou e lançou um ataque em Mihnyr, jogando uma bola de lava em sua direção. O corpo de Mihnyr ficou turvo como o mar e ele empurrou Torun e Illariel para trás enquanto erguia uma parede de gelo em sua frente, escapando do ataque.

A parede não durou muito: Yzegahr fez um buraco nela com seu poder de fogo e logo uma corrente de lava pura voava em direção a Mihnyr, enrolando-o e aquecendo. Vapor cobriu o local e Mihnyr parecia menor e mais translúcido, mas logo se libertou com um grito de dor e raiva, esfriando as correntes que caíram como pedras.

Mihnyr lançou uma bolha de água, levantando e prendendo Yzegahr no alto, mas logo a água começou a evaporar.

Aquilo não teria fim. Quem cometesse o primeiro erro iria perder.

Enquanto os deuses lutavam, Torun e Illariel correram para o outro Mihnyr, que parecia contemplar o que fazer.

“Ajude-o!”  Implorou Illariel.

“Nós não somos mais fortes juntos. Somos completos cada um por si. Se eu for ajudar meu outro eu, Yzegahr fará outro dele. É inútil. Tenho que pensar em como tirá-lo da Forja e fugir. Vou contatar Terra…Em breve poderá vir também.”. O deus entrou em estado de meditação.

“Nós não temos tempo! Temos que atacar!” gritou Torun.

“Estamos sem armas Torun, e não podemos contra um deus! Já tentamos e falhamos. Tem que haver outra forma…” Illariel dizia, enquanto seus olhos recaíram nas pedras que eram o coração da Forja.

“Não podemos matá-lo…Mas temos que fazer algo”. Illariel puxou Torun pela mão em direção as pedras. “Eu só quero nosso mundo de volta.. Que os deuses fiquem com sua guerra!”

“Illariel, o que você vai fazer?”

“Qualquer coisa.”

Illariel estendeu a mão para uma das pedras e direcionou Torun para as outras duas. As alinharam em formato triangular e uma feixe de luz as ligou, fazendo a Forja tremer. O feixe começou a reluzir sobre Torun e Illariel, que inadvertidamente ligaram a Forja.

Os deuses pararam de brigar e olharam com horror para os dois. Yzegahr tentou se dirigir aos dois, mas Mihnyr  o parou, recomeçando o ataque. O outro Mihnyr parou a contemplação.

“O que você fizeram?”

Ele tentou parar Torun e Illariel, encostou neles, enquanto os dois, por reflexo, tocaram nas pedras, segurando como se a vida dependesse disso. Mihnyr também foi banhado pelo feixe e o que se seguiu foi um misto de poder e confusão. Caos puro.

As mentes dos três se fundiram, algo que nunca deveria acontecer. Mentes mortais não são capazes de processar o conhecimento divino.

As informações passavam rapidamente pela mente de Torun e Illariel, respostas para tantas questões, tanto poder… Era impossível se concentrar em qualquer coisa.

Mas o desejo no coração dos dois era o mesmo. E logo começaram a ver: o pequeno mundo deles, somente um entre tantos, insignificante em meio a tantos universos, mas que era tudo o que eles tinham.

Eles relembraram de Elythrea e desejaram, mais do que tudo, que o mundo existisse novamente, do jeito que era.

O desejo foi atendido.

A Forja dos Mundos brilhou, cegando momentaneamente os deuses que lutavam, lançando um feixe de energia ao redor e foram transportados para o universo em que ficava Elythrea.

O mundo foi formando-se novamente em frente aos seus olhos. Não sabiam em que tempo estavam.

Torun e Illariel tiveram a mente invadida pela força da Forja. Lembravam de suas vidas, de histórias ouvidas, lendas do mundo. Algo se misturava a isso: as memórias de Mihnyr, conhecimentos que só os deuses tinham, a briga entre os deuses criadores e destruidores.

Mas a memória é algo que engana. O que lembramos nem sempre é a verdade. Medos, mentiras e desejos foram ampliados e tudo foi formando o novo velho mundo. Mentes demais o estavam recriando. Mentes mortais que não sabiam o que estavam fazendo.

A Forja misturava a mente dos três e povos inteiros foram esquecidos, enquanto povos de outros universos invadiam o mundo sem querer. O brilho da recriação agora tomava a Forja e os deuses que lutavam começaram a ser tragados.

O mundo era recriado em meio à batalha: Fogo destruía o que podia, batia na terra e de lá se formavam meteoros. Água tentava controlar, limitando o dano. Fogo puxava a terra, criando declives e pedaços de terra inteiros flutuavam. Água o abraçou, tentando segurá-lo. 

Pedaços de Fogo e Água se desprenderam dos corpos dos deuses e caíram no mundo, criando semideuses e outras formas divinas.

O outro deus Minhyr tentava controlar a criação, mas o caos reinava.

Illariel e Torun conseguiram encontrar-se entre mentes e, vendo a destruição que Fogo fazia, desejaram contê-lo. Mas agora era impossível saber quem era Fogo e quem era Água. Então, seriam presos juntos.

Unindo seus desejos, conseguiram parar os deuses que lutavam, prendendo-os à Elythrea.

A recriação do mundo acabou, mas não sabiam o que haviam feito. A Forja parou de brilhar e os três: Torun, Illariel e o outro Minhyr, abriram os olhos, com medo.

Abaixo da Forja, estava o mundo recriado: a nova Elythrea.

–  MUNDO CAÓTICO: A NOVA ELYTHREA – 

 

Eles estavam ainda mais fracos do que antes. Cansados, exaustos. Não conseguiam pensar direito, ainda havia muita informação em suas mentes. Tremiam, não sabiam em que realidade estavam, ou em que tempo, ou em qual universo. Será que estavam loucos? Também não conseguiram responder.

“O que aconteceu?” perguntou Torun.

“Vocês ativaram a Forja dos Mundos. É muito poder para mortais. Vocês seriam dizimados… Mas quando eu tentei impedi-los vocês fizeram ainda pior: tocaram o coração da Forja. O poder bruto dos deuses. Nossas mentes se uniram, vocês viram. Entraram em contato com a centelha divina e o desejo em seus corações foi atendido. Refizeram o seu lar.”

Minhyr explicava enquanto fazia gestos que eles agora compreendiam que era de cura. Torun e Illariel foram recuperando o vigor, os danos de batalha e os danos mentais. Minhyr tirava deles a maior parte da centelha divina. O conhecimento dos deuses foi se esvaindo e sendo apagado. Minhyr não podia deixar isso com eles, apesar do protesto de Illariel.

“Esse não parece nosso lar” protestou Torun, olhando para o planeta estranho à sua frente. Os continentes estavam estranhos. 

“É como nós quatro fizemos…Cinco, se contarmos a vontade do Caos.”

“Tem isso também?”

“Esse elemento é perigoso de se lidar, mas eu e meus irmãos juntos conseguíamos. Vocês mexeram na equação…e não estávamos todos de acordo. Agora vocês espalharam eu e Fogo e um tanto do poder de Terra e Ar no mundo. Está pulsando com energia caótica.”

Illariel desviou o olhar de Elythrea e olhou para Minhyr. O corpo dele estava menor, mais translúcido.

“Essa minha forma está sendo sugada para a prisão que me deram. Apenas um resquício meu vai ficar aqui…por pouco tempo. Não poderei proteger a Forja.” Ele não parecia triste ou muito decepcionado. Parecia cansado.

“E Terra, pode proteger? Ou ahn, outra forma sua?” perguntou Illariel.

“Terra tem seus afazeres e minhas outras formas também. E ainda temos Ar e Fogo para nos preocuparmos. Não pensem que o prenderam completamente. Há muitos de nós, só nos dividimos”.

“O que vai fazer então?”

“Castigar vocês”. Torun e Illariel se olharam, apreensivos. “Vocês causaram essa confusão, ainda que com boas intenções. Não posso deixar a Forja desprotegida e vocês precisam aprender. Desejam poder e conhecimento dos deuses, então terão um vislumbre de nossa existência.”

Minhyr pegou duas das três pedras da Forja. Uma colocou dentro do coração de Torun e outra dentro do coração de Illariel. A terceira, deixou onde estava.

Mesmo com tanto poder dentro de si, eles não sentiram nada de diferente. Era como se não houvesse nada lá.

“Não se preocupem, vocês não terão acesso a todos os poderes do coração da Forja. A Forja precisa estar constantemente em movimento para não ser encontrada. Ela só funciona com centelha divina e com todas as suas partes. Portanto, vocês só poderão ativar se estiverem juntos. Vocês vão ter que viajar entre universos constantemente, sempre em fuga, para despistar Fogo e Ar. Vocês têm o poder de saltar entre planos e em qualquer linha do tempo. Vão conhecer o multiverso, mas nunca poderão realmente fazer parte de nenhum.”

“Mas vão ter sempre que voltar para Elythrea. A pedra no coração de vocês precisa se recarregar. Vocês não têm centelha divina, mas o mundo pulsa com energia caótica dos deuses. Terão que voltar, recarregar. Podem ficar um tempo, mas logo vão ter que fugir. E assim viverão suas vidas.”

“A Forja, irei esconder aqui, entre as estrelas. Sem duas partes, não poderá ser ativada e não chamará tanto atenção dos outros. Vocês vão visitá-la sempre que possível e garantir seu funcionamento.”

“Não sabemos como fazê-la funcionar…não de verdade” disse Illariel.

Minhyr tocou o rosto dos dois e o conhecimento fluiu. Somente o necessário.

“Vocês serão alvos de meus irmãos. O coração da Forja irá fortalecê-los e dar mais poder, mas nunca será o suficiente. Espero que encontrem uma solução para essa perseguição. Fogo e Ar tem muitos lacaios e avatares de destruição. Já avisei Terra sobre o ocorrido, mas não todos os detalhes. Ele também os irá procurar, um dia.”

“Por último, o verdadeiro castigo. Vocês ainda podem ser mortos, mas, fora isso, serão imortais. Até encontrarem uma forma de desfazer esse erro.”

“Elythrea não é um erro!” indignou-se Torun.

Minhyr o olhou com pesar.

“Com o tempo, talvez veja isso de outra forma. Esse mundo sofrerá ataques constantes, é um farol no universo. Atrairá todo tipo de criatura com fome de poder, espalhando terror entre seus habitantes. Seria a finitude tão ruim frente ao sofrimento constante?”

“Nós vamos proteger Elythrea! Vamos convocar aventureiros, formaremos um exército!”

“Será o suficiente? Observarei… em meus sonhos.”

“Boa sorte, Torun e Illariel”.

Minhyr enfim se desfez, deixando para trás os dois aventureiros derrotados.

Sobre o autor

Thaís

Um personagem do Tim Burton. Otaku, rpgista, playstantionista, kpopper viciada, xeretadora de html e jornalista. Adora gatos, dormir, ler e roupas estranhas. Introvertida, troca um rolê por ficar jogando em casa.